domingo, 17 de maio de 2009


Joselita era proibida pelo pai de sair, até mesmo com amigas. Fora criada por ele e a prisão tornou-se ainda pior após a morte da mãe. Não podia frequentar a escola, como as outras meninas, e cursar o segundo grau. Muito menos realizar o seu sonho: ser artista de TV.

Quando fez 18 anos, teimou que queria trabalhar. Conseguiu driblar o pai e foi estagiar como datilógrafa. Nos corredores da empresa, sempre esbarrava em um bigodudo: o tal do Afonso.

Afonso era um chato, ou pelo menos era essa a opinião de Joselita sobre ele. O rapaz a elogiava, cumprimentava, deixava em sua mesa doces e botões de rosa e o pior: Não parava de olhá-la. "Será que esse cara não tem o que fazer não?", pensava Joselita.

Um dia o convite: sorvete após o trabalho. Mas o pai cronometrava seus horários, se demorasse sequer dez minutos as consequências negativas estariam garantidas. Então Joselita negou. Negou o primeiro, segundo, terceiro convite... No dia de seu aniversário, porém, decidiu que a fuga era merecida e a justificativa ao pai seria convincente. Finalmente disse "sim". Não por Afonso, mas pelo sorvete. Pela mudança, pelo novo, pela quebra do ritual diário marcado por minutos exatos.

Três bolas de sorvete de baunilha. Lá estava Joselita diante delas e do chato da empresa onde trabalhava. O assunto era parco. Afonso a chamava de "bonita", elogiava sua postura e sua intimidade com a máquina de datilografar. Esgotados os argumentos, começou a citar acontecimentos - que havia se apressado em consultar no jornal, assim que a saída para o sorvete fora acertada, para que assunto não faltasse. Mas Joselita não ouvia nada. Murmurava positivamente por vezes, quando sentia que era necessário. Estava eufórica por dentro. Lugar novo com pessoas bonitas e descoladas e ela alí, no meio de tudo, como se o mundo fosse seu por direito.

Nesse dia Joselita descobriu a solução para sua vida, a chave que a libertaria de proteção excessiva do pai: Afonso. Não exatamente o Afonso, mas o alguém para estar ao lado, o marido.

Era isso, ela precisava de um casamento! E o quanto antes. Depois dele, ela simplesmente poderia fazer tudo! E o pai? "Quem me importa meu pai?", pensou a garota. Enquanto Afonso falava de... de... de qualquer coisa que não fazia diferença para Joselita.

No dia seguinte, de volta ao trabalho, as mudanças eram visíveis. Logo ela, que demonstra apatia até por sua aparência, sorria feito criança, exibindo o batom cor-de-rosa, os brincos de pérola e o cabelo trançado amarrado por uma fita combinando com o batom. Nem parecia a mesma "JOOO-SEEE-LIIII-TAAAA!" que levou um susto com o grito do pai, na noite anterior, ao tentar entrar em casa sem ser notada.

Não tardou para que o pomposo Afonso surgisse com seu ar de galã mexicano. E foi inevitável a explosão de felicidade que Joselita expressou com seu "Quero!" ao ser pedida em namoro por ele.

Depois de birras do pai, seis meses de namoro, seis meses de noivado. Casaram. Se Joselita amava Afonso? Não. Amava os parques onde foram passear, os filmes que foram assistir no cinema, a escola que voltou a frequentar, os sorvetes na praça, a praia no final do mês, a casa em que reinava. Amava a liberdade.

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